12.12.11

Som que marca a alma a ferro


[Destak, 12/12]
Há um novo documentário de Eduardo Coutinho nos cinemas, o que significa que temos mais uma razão para aplaudi-lo. Trata-se de um cineasta que compreende como poucos as maneiras de transformar o real em arte.

Desta vez, Coutinho mergulha fundo na relação entre memória e música. Já em "Edifício Master", ao menos três dos moradores de um prédio superpovoado em Copacabana cantavam temas inteiros. Em "As Canções", que acaba de estrear, cada entrevistado conta sua mais preciosa história, sempre citando a música brasileira que a pontuou. A maior parte dos relatos é de romances, bem ou malsucedidos, com algumas dramáticas lembranças de perda de pais aqui e ali. Quando se precisa de um fio-condutor que costure os depoimentos, é possível se convencer de que um deles é o machismo.

Na tela, um marinheiro que admite ter culpas em relação à mulher e que se compadece com o volume de trabalho dela no lar, mas que não lava um prato para ajudar. Depois temos Queimado, o homem que é visto pela namorada num baile com outra mulher. A namorada sai de lá com outro homem e, dias depois, Queimado consegue inverter a situação de forma tão magistral quanto absurda: a namorada é quem estava errada. Há ainda mais algumas mulheres que têm de lidar com a existência das amantes, de forma conformada ou até despreocupada.

A esse aparente atraso no que compete ao papel feminino, misturam-se letras de amores rasgados, homens e mulheres vítimas de feridas incuráveis, o que nos faz pensar que somos habituados ao conceito de que o mais bem-sucedido dos amores passa por uma opção de sofrimento. Escolhemos algo que nos é contrário, que até nos fere na dignidade (nas mulheres do filme, isso quase sempre se refere a submeter-se a um machismo), porque nos tira de um individualismo que protege. Dói, mas aceita-se pelo que se considera ser o "bem maior".

E vê-se que o amor inesquecível faz brotar lágrimas, como lembrança desse sofrimento autoimposto, seja porque foi árdua a luta para conquistá-lo até torná-lo bem-sucedido, seja porque dói admitir que a realidade era mais forte que o desejo. Encerra Coutinho glorificando a música, essa forma de arte maior que todas as outras, que marca memória e alma a ferro, mas também alivia quando entendemos que viver sem dores é já ter morrido.

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