22.1.10

QUANDO O MERCADO SEXUAL INCOMODA?

"Combatidos", prédios do Rio com atividades ligadas ao sexo apenas pagam o preço de suas visibilidades

Depois que tapumes decorativos esconderam a boate Help até que ela se torne o novo Museu da Imagem e do Som em parceria com a Fundação Roberto Marinho (leia-se Organizações Globo), o Estado do Rio já tem novo projeto cultural para barrar safadezas na ex-cidade mais sexual do Brasil, a outrora Rio Babilônia. Para criar a Sala Pixinguinha, deverá expropriar o Cine Íris – processo que, a julgar pelo da Help, deve levar um ano.

Trata-se do cinema mais antigo da cidade, que hoje exibe filmes pornôs prestigiados por trabalhadores do Centro e, de vez em quando, sedia festas alternativas.

Tanto a Help quanto o Íris acostumaram-se a ser pilares tradicionais do comportamento sexual da cidade. Nada no Centro é tão decadente e glamouroso a um só tempo como o centenário Íris e seus cartazes honestíssimos que levam office-boys e executivos a uma "aliviada". Ninguém entra lá só pela arquitetura art-nouveau.

Já a Help, na avenida Atlântica, em Copacabana, era o mais famoso ponto de turismo sexual do país, com a diferença de que era tudo, menos um ponto criminalizável. A boate atraía turistas de muitos países porque as prostitutas (nitidamente maiores de idade) iam para lá dançar (e obviamente fisgar clientes), mas a saliência era feita nas suas aforas. Os seguranças eram inclementes com amassos incisivos. E elas pagavam para entrar, como qualquer pessoa. Ou seja, o turismo sexual que é tolerado em qualquer lugar do mundo, e não o mercado pedófilo.

Transformar esses prédios hedonistas em áreas de interesse cultural é emblemático. Mas do quê?

Adoraria que o debate fosse "o governo Cabral se empenha em uma cruzada moralista em nome dos bons costumes"; no mínimo haveria a chance de intervenções em estabelecimentos famosos que exploram a prostituição usando alvarás disfarçados – o que perfaz dois crimes. Seria curioso ver o secretário de Segurança e os chefes das polícias numa empreitada digna de Os Intocáveis. Mas não é exatamente essa a estratégia.

Cine Íris e Help pagam o preço de suas visibilidades; o cinema, pelo caráter de patrimônio tombado pelo Estado; a boate, por sua preciosa localização litorânea. Ambos podem ser renomeados com ajuda de fundações parceiras, que se interessam pouco por outras regiões da cidade e sempre terão prioridade na hora de usar emprestado as instalações "recuperadas".

Vamos ver que fundação vai cuidar do Cine Íris.

15.1.10

Minha coluna de hoje no DESTAK.

FICÇÃO SUBTERRÂNEA Nº 2 - O ZAPPING

Detestamos ficar em silêncio, ainda mais com gente próxima, como no metrô. O problema é o que ouvir




Entro no metrô. Lotado. O ar-condicionado não funciona bem, e as pessoas começam a falar mais alto. Talvez as altas temperaturas realmente sejam as responsáveis por nosso comportamento mais ruidoso. Alguém deve ter teorizado sobre isso. Não sei quem.

Assim, é possível participar de conversas, mesmo para quem não tenha interlocutores. Viro o rosto para a direita. Uma senhora se abana, sentada nos assentos para idosos. Comenta sobre o calor. "Isso aqui tá um forno, meu Deus, nunca vi isso, Jesus Cristo." É um hit a conversa sobre o clima, ainda mais no verão. Acho que é talvez o principal traço da espontaneidade latina. Detestamos ficar em silêncio, queremos proximidade, queremos concordar sinfonicamente uns com os outros, principalmente com os que não conhecemos. E aí, desanda-se a falar daquilo que merece um desabafo. É uma conversa cansativa, então zapeio.

Meus ouvidos agora apontam dois rapazes em camisas ensopadas de suor. Tentaram conversar sobre futebol, mas as contratações de verão, pelo que pude perceber, não os animaram. Até que um resolve se arriscar num terreno que não parece dominar.

"E aquela parada que deu no Haiti, hein? Sinistro, tudo acabou lá naquele lado." Seu colega, que se pendurava na barra do teto do vagão, olhando para o chão, solta um palavrão de desabafo. Mas, como se sente impelido a falar alguma coisa sobre o sofrimento de milhares...

"É fogo. Deus não alivia a África mesmo..." Desisto de acompanhar a conversa até que os rapazes situem melhor o Haiti dentro de suas prioridades e geografias. A composição, que estava parada, fecha as portas no exato momento em que uma moça belíssima aterrissava das escadas com pressa - e aqui eu concedo, leitor e leitora, que vocês descrevam mentalmente como seria essa pessoa belíssima. Cansada e frustrada, ela se curva e vira a cabeça, bem na minha frente.

Abro os braços como quem lamenta, não só por ela, mas também pelo nosso vagão, que iria ficar mais agradável - afinal, há mulheres que são como brisas. Ela me sorri, sem jeito, e vira a cabeça. Na camiseta, lê-se, em inglês, a frase "O amor é um milagre", entre grafismos coloridos num fundo branco.

Foi a melhor conversa da viagem. No resto, entre calores, terremotos e empurrões, contribuí com o silêncio e desliguei os ouvidos. Nada mais era comigo.

6.1.10

Setlist de A PAIXÃO SEGUNDO CABARET

Prólogo
1.
A Paixão segundo Cabaret - o jovem Dontlov, após seguidas desilusões, jura se negar ao amor.

Ária

2. O Amor de Ninguém - Uma canção que apresenta o personagem já com cerca de 40 anos, e descreve o salto dele no tempo, seduzindo e deixando-se seduzir sem se apegar, com resignação sobre sua falta de talento para o compromisso. Até que surge uma mulher da qual ele não poderá escapar.

AS 10 ETAPAS DA PAIXÃO TRÁGICA
3. Animal, ou a Atração
4. Um Dia no Paraíso, ou a Obsessão
5. Bela e Vulgar, ou a Concessão
6. Crianças, ou a Transcendência
7. Eu Não Quero Mais Ouvir, ou a Decepção
8. Não É Mulher pra Você, ou o Arrependimento
9. Dentro de Você, ou o Rancor (com participação de Ney Matogrosso)
10. Glória, ou a Desistência
11. Já é Tarde, ou a Depuração
12. Nada Vai Ser Amor, ou a Terceirização

Epílogo
13. A Persistência da Memória


Essas são as pretensões. Fiquem à vontade para esquecê-las.