Corinthians penta: um roteiro do futebol pós-socrático
Que o fim do Campeonato Brasileiro não poderia ser mais excitante do que ontem, todos já sabíamos. A ideia de programar os clássicos de arqui-rivais na última rodada foi uma das mais brilhantes saídas para prevenir a possível falta de profissionalismo ou atitudes antiéticas de clubes e jogadores. O que jamais poderíamos imaginar é que os deuses do futebol tinham se tornado tão bons cineastas.
Um hipotético filme sobre o penta do Vasco já seria de um roteiro magistral. Pense: a superação de um clube e uma torcida que encerraram uma década terrível com dois títulos nacionais no mesmo ano. A sagração de Juninho Pernambucano, a redenção de Felipe, um tributo à luta de Ricardo Gomes pela vida, o conto de um humilde auxiliar técnico, Cristóvão Borges, que virou o guia certo na hora certa.
Um belo e merecido roteiro, que não será filmado. Desta vez, a sinopse campeã é a de um time que começou o ano eliminado na Pré-Libertadores pelo folclórico Tolima. Manteve-se o técnico, contratou-se Adriano (para fazer o gol mais caro da temporada) e, como tudo deve convergir, o gol que a torcida comemorou foi marcado por Renato, do Flamengo, um jogador que foi revelado no Parque São Jorge – e que quase foi detestado por lá. E tudo para erguer a taça do penta como tributo a um homem que foi herói e anti-herói corintiano a um só tempo. Sócrates não foi apenas um craque extraclasse. Talvez por carregar o nome de pensador, o irmão de Raí se obrigou a ser um homem de raciocínio, opinião e personalidade.
Não bastasse a criatividade de usar o toque de calcanhar para compensar sua lentidão – que se devia tanto à sua altura 1,91 m quanto a sua aversão à vida de treinos e restrições alcoólicas –, Sócrates viu no futebol uma forma de conscientizar os brasileiros sobre a necessidade de mais democracia. Além disso, viveu como quis, triunfou o quanto pôde, deixou sua marca no seio da torcida. Esporte para ele não foi saúde o tempo todo: fumava, bebia, pouco treinava. Nada muito diferente da vida de outros jogadores da história recente corintiana, mas a diferença é que com Sócrates nunca houve sonsice. Magrão nunca precisou parecer alguém que ele nunca foi. Fará falta na festa alvinegra e na Copa do Mundo de 2014: poderia lembrar aos craques que contestar também é parte do jogo.
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