19.12.11

Adeus ao inimigo do senso comum



O fim de semana de perdas históricas - Cesária Évora, Joãosinho Trinta, Sérgio Britto, Vaclav Havel e o time do Santos - não foi suficiente para me demover de escrever sobre outra, ocorrida na quinta-feira, quando morreu o escritor e jornalista Christopher Hitchens, 62.

Autor de "Deus Não É Grande" (Ediouro, 2007), o inglês foi uma das mentes mais inquietas do nosso tempo. Contrário às religiões - por acreditar que elas são instrumentos de repressão do livre pensamento -, Hitchens foi um pensador apaixonado pela ideia da democracia e pelos valores do Ocidente, mas acima de tudo um determinado a enfrentar o senso comum. Sobre esses pilares, estruturou toda a sua defesa da incursão americana no Iraque - talvez sua segunda posição mais polêmica, depois do seu ateísmo militante.

Pessoalmente, discordo de Hitchens tanto na sua ótica sobre religião quanto ao apoio àquela guerra: nem a administração Bush merecia o suporte de tamanha inteligência numa invasão tão suja, nem a religião é só convite às trevas. Ao contrário, parte significativa do nosso conceito de civilização atual (democracia e justiça social inclusas) surge de culturas monoteístas.

O que deve ser elogiado em Hitchens é seu método. A capacidade incrível de equacionar conhecimentos históricos e emitir opiniões fundamentadas com um estilo literário assombroso fizeram-no um intelectual diverso, para consumo universal, capaz de ver mal em figuras indiscutíveis que vão desde madre Teresa de Calcutá ao ex-premiê britânico Winston Churchill, cultuado na Inglaterra e nos EUA.

Não que seja preciso aceitar seus pontos de vista (ele certamente odiaria ser visto como uma pessoa acima de qualquer suspeita ou um "mentor para a civilização"), mas a veemência do discurso hitchensiano nos fazia pensar, porque estava longe da irrelevância. Na questão religiosa, por exemplo, além de dar argumentos fulminantes aos ateus (que normalmente baseiam suas posições em experiências pessoais), ele obrigou os pensadores cristãos a virem ao debate muito mais preparados, sacudindo-lhes o mofo com sua coragem e retórica afiadíssima. Ambos os lados ganharam.

Com a partida de Hitchens, a lacuna que fica nos obriga a sermos tão inteligentes e assertivos quanto ele na defesa das liberdades que temos, das que queremos e das opiniões que, mesmo explosivas, se fazem necessárias.

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