28.6.12

As várias moscas do sopão mundial



Absurda sob qualquer ótica, a criminalização da distribuição de "sopões" é uma ideia que perpassa a cabeça de muitos dos prefeitos, e não apenas de Gilberto Kassab (PSD). Em 2009, o ex-secretário da Ordem Pública do Rio, Rodrigo Bethlem, já havia proposto uma proibição semelhante.

O princípio por trás da ideia da proibição é o mesmo que levou muita gente a aconselhar que não se deem esmolas: em tese, o sem-teto tende a se perpetuar na localidade, uma vez que consegue seu sustento eventual. Compreende-se que ninguém queira ter em sua vizinhança a presença degradante (e muitas vezes intimidadora) de sem-tetos, viciados e mendigos.

Há prefeitos que são um pouco mais hipócritas. Em Nova York, Michael Bloomberg baniu em março deste ano a distribuição de comida de pouco valor nutritivo – hipercalórica ou com sal em excesso. Seria um banimento em nome da saúde – mas cretino, porque obviamente esse tipo de comida é mais abundante e fácil de se distribuir aos carentes.

Londres esteve a ponto de proibir no ano passado, quando o Conselho de Westminster (centro londrino), dominado pelo Partido Conservador, encaminhou projeto de lei que irritou as entidades de caridade locais. O projeto foi visto como higienista, com vistas à Olimpíada-2012.

Para contornar o problema, foram necessárias reuniões que chegaram a um ajustamento de conduta, tanto do conselho quanto das caridades. Com a sensibilidade que o assunto exigia, o conselho compreendeu que era juridicamente abusivo proibir a caridade – afetava até mesmo a liberdade religiosa, só para citar um dentre outros aspectos ainda mais relevantes – e se dispôs a encontrar lugares fechados no centro onde os sopões pudessem ser servidos.

Por quê? Com base em estudo da London School of Economics de 2009, os próprios mendigos preferem comer em ambientes fechados, próximos, com talheres, em vez de comer na rua. Sinal de que até mesmo um sem-teto por mais à margem que esteja (por opção ou por força maior) não se satisfaz com qualquer auxílio.

Ou seja, a melhor solução passa sempre por diálogos – até com aquele que será ajudado.

21.6.12

Uma reciclagem de reputações





Nasceu um novo partido na última semana. Chama-se Partido Ecológic Nacional, sigla PEN, número de legenda 51. A ideologia é mais ou menos aquela que já se tinha com o pV, tanto que já convidaram Marina Silva a se filiar a eles, tendo em vista as eleições de 2014. Se há diferenças entre os verdes e os ecológicos, creio que apenas o fundador Adilson Barroso poderá explicá-las. 

Muito provavelmente não convencerá ninguém.

Já escrevi aqui certa vez que o Brasil se acostuma a uma política apartidária. Rivais nacionais, PT e PSDB deram mostras nesta semana que são defensores de cargos e trincheiras, e não de um conjunto ideológico coerente.

A disputa a tapa pelo minuto e meio do PP de Paulo Maluf, culminando no patético aperto de mão de Lula, mostra que as ideologias se foram e agora, pelo menos em São Paulo, o que interessa é vitória, a qualquer preço.

Num aperto de mão, o PT do ex-preso político Lula e da ex-presa política Dilma relativizou muita coisa: uma ordem de prisão da Interpol, válida em 181 países-membros, uma condenação de devolução de R$ 716 milhões aos cofres do Estado de São Paulo pelo escândalo da Paulipetro, a criação da violentíssima ala da Polícia de São Paulo conhecida como Rota (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar), uma carreira propulsionada pela ditadura militar, que vai desde sua nomeação como prefeito de São Paulo pelo presidente militar Costa e Silva, em 1969, até as denúncias de ocultação de cadáveres e de colaboração com a tortura – cuja maior confissão fica num decreto de cessão de um terreno municipal na Vila Mariana ao Doi-Codi, a poucos dias da Lei da Anistia vigorar, em 1979.

Toda vez que vejo as imagens, consigo notar no semblante de Paulo Maluf uma sensação de vitória, como se quisesse alongar ao máximo sua união táctil com Lula. Vai entrar para o processo de reciclagem de reputações que os petistas já acionaram para Sarney e Collor. Que este deputado ainda seja disputado por PSDB e por PT para fins eleitorais joga por terra qualquer possibilidade de haver um diferencial ideológico entre dois partidos cujas figuras principais na ativa – Lula e Serra – são presos ou exilados políticos.

Antes, sacrificavam-se vidas em nome de ideologias. Hoje, sacrificam-se biografias por alguns minutos de TV.

14.6.12

Apenas uma tarde no Café da CPI


Uma coletânea de frases de ficção sobre uma comissão em que nada parece muito real

Vossa Excelência está à vontade? Aceita um cafezinho? Vossa Excelência prefere ristretto, descafeinado ou macchiato? Normalmente as Excelências preferem macchiato com adoçante. Gosto é gosto. Nós vamos começar a fazer as perguntas dentro de instantes.

Espero que Vossa Excelência não se irrite muito com o comportamento de outras Excelências quando lhe perguntarem. Alguns deles adoram espernear, mesmo no microfone. Vossa Excelência vai reparar que é parte de uma estratégia de sair nos telejornais da noite. O humor é uma ótima forma de propaganda nessa atividade aborrecida que é a política.

Vossa Excelência já foi ao banheiro? Convém ir, porque os depoimentos aqui costumam demorar mais de sete horas. Quer outro cafezinho? Sugiro também que Vossa Excelência faça um alongamentozinho. A cadeira é confortável, mas não é exatamente nova. Tem uma licitação para sair, uma Excelência estava tocando esse trâmite, mas aí teve aquele escândalo... esse não, aquele outro... esse! Pois é, e aí a licitação ainda tá à espera do edital... aquelas coisas.

Vossa Excelência vai precisar de um pouco de paciência hoje. Tem uns dois sites transmitindo ao vivo, o que aumenta a audiência e multiplica o número de vezes em que vão lhe inquirir a mesma pergunta mais de uma vez. Os parlamentares usam suas perguntas para marcar território e treinar oratória. Mas fique tranquilo, poucos estão realmente inteirados dos assuntos e querem mais desfilar vocabulário.

Vossa Excelência aceita um glossário? Há vez por outra um desfile de palavras bem difíceis aqui. Não, não que eu esteja menosprezando o vocabulário de Vossa Excelência, mas eu mesmo me embanano algumas vezes.

Vossa Excelência não se incomoda de o chamar de Vossa Excelência? Não é irônico, juro. Aliás, tire-me uma dúvida, por favor, Vossa Excelência: Vossa Excelência é da situação ou da oposição? Tudo anda meio misturado, muitas vezes eu me perco, perdoe-me Vossa Excelência.”

Vossa Excelência está como réu ou testemunha? É que de réu eu cobro 20% de gorjeta... ah, como testemunha? Então tudo bem, fica nos 10%.

Mas Vossa Excelência volta ou não?

7.6.12

Londres, Rio e o caos olímpico


Londres tem um antigo mas ainda incrível sistema de transporte público de massa. Incrível, pelo menos, aos olhos de brasileiros metropolitanos que sonham com um direito de ir e vir que não seja acompanhado de um dever de sofrer quando for exercido.

(Para os 7,8 milhões de habitantes da Grande Londres e sua definição de civilização, porém, suas linhas de metrô e ônibus estão à beira da indignidade nas horas de rush.)

Sabia-se desde 2011 que, para receber os Jogos Olímpicos em julho, um terço dos habitantes da capital deveria deixar a cidade, para evitar o caos. Por isso, as autoridades estimularam que as pessoas tirassem férias e alugassem suas casas para receber 5,3 milhões de visitantes. Há estações e regiões da cidade que precisaram ser esquecidas por 60% dos seus usuários tradicionais, a fim de evitar o desastre.

Com 402 km, o metrô de Londres é o segundo maior do mundo em sua extensão dividida por 270 estações. Só Xangai o supera.

O Rio, sede da Olimpíada seguinte, tem atualmente 46,2 km divididos por 45 estações, e uma população de 6,3 milhões. Ganhará, com sorte, mais algumas até 2016. A expectativa de turistas na cidade, de fato, é bem menor, uma vez que a oferta de voos do mundo desenvolvido para a cidade é menor que Londres, assim como a tradição carioca enquanto destino turístico. Ainda assim, o Rio recebe 1,1 milhão de turistas – internos e externos – num evento como o Carnaval.

A diferença é que, por ser feriado, a cidade para nos quatro dias de Carnaval e muitos cariocas buscam refúgios em outro lugar, enquanto muita gente continuará a trabalhar nos 15 dias de duração da Olimpíada.

A Copa é menos preocupante em suas cidades-sedes, porque já há dispositivos para decretar feriados nos dias de Jogos. Mas a Olimpíada, que é contínua, deixará extremamente claro o nó cego que o descaso deu no trânsito da cidade, auxiliado pelas condições que facilitam o aumento da frota de automóveis – segundo os números do Detran, há um carro a cada 2,5 habitantes, e esse número crescerá até lá.

Servidores públicos decerto aproveitarão pontos facultativos ao longo da Olimpíada – o que vai acontecer nos três dias da Rio+20. O resto da população, pelo visto, vai ter que aturar.