26.4.12


COTAS RACIAIS PARA TODO O SEMPRE
[Destak]

Há bons argumentos pelas cotas raciais em universidades. 1) A reparação histórica por uma abolição que não integrou os negros desde o início; 2) A má qualidade do ensino público nos níveis básico e médio, aos quais afluem as famílias brasileiras de baixa renda. 3) A necessidade de diminuir uma percepção social de que o negro está sempre nas posições inferiores. 4) A criação de uma elite que equilibraria a balança de tons.

Todas as razões citadas são nobres, mas nenhuma delas jamais me convenceu de que o sistema de cotas seria uma solução democrática – que dirá usando raça como critério.  E meu maior argumento é: sua instalação não veio acompanhada de um investimento na melhoria do sistema público de educação. Sem isso, a expectativa de revisão do sistema de cotas no futuro fica totalmente comprometida.

Mesmo os mais esclarecidos defensores do sistema de cotas entendem que ele tem distorções: 1) a do princípio da igualdade entre os cidadãos de uma democracia e; 2) a da quebra na ideia republicana de meritocracia. Mas, depois de alguns anos de sucesso com a experiência, dizem, haverá a reavaliação e o possível retorno para a igualdade nas seleções. Em suma: as cotas já previam o fim das cotas.

Mas não haverá fim sem salto na qualidade do ensino público básico e médio. Estamos no 18º ano do real, e a “geração da moeda” que estudou nas escolas públicas só ganhou... um sistema de cotas, do qual vai usufruir agora, quando chega à maioridade eleitoral – para os que se enquadrarem nos critérios.

Já se perguntou por que não há esforço em implantar cotas raciais nos colégios de aplicação ligados às universidades públicas que já as oferecem? Porque não interessa na caça eleitoral. Seus beneficiados estão longe de votar, e seus pais estão preocupados com outros temas: no fim, é a grife universitária que “corrigirá” o que a escola errou.

Ou seja, as cotas criaram um nicho de votos para os defensores desse sistema – que é usado também em concursos públicos do Estado do Rio e pode ser “estendido” a outras áreas– , e que ninguém mexerá porque sempre haverá eleitores “clientes” desses atalhos. Não porque queiram, mas por ser a melhor saída oferecida. E outra distorção na democracia se eterniza.

19.4.12

A CLASSE C, DOS ANOS 40 ATÉ HOJE 


É uma das melhores histórias da família. Nos anos 40, um erro no financeiro da General Electric do Rio deu a Maria um salário maior que o das colegas, o que causou revolta e injuustiça: ela foi acusada de má-fé. Foi defendida por outro colega, José, a quem Maria, por gratidão, presenteou com uma caneca de alumínio. Já notara que José tomava o leite dado pela firma numa lata lavada de Leite Moça. 


Maria e José, meus avós maternos, foram pobres e vinham de famílias numerosas que sonhavam com mais conforto e dignidade. O dinheiro que raramente sobrava era investido em educação (deles e da prole) e em bens duráveis. 


Tiveram menos filhos que seus pais: quatro, embora uma, Ana, tenha morrido prematuramente. Os demais estudaram em escolas públicas – à época bem melhores que as particulares – e chegaram ao ensino superior. 


Na economia instável, realizavam-se menos sonhos de consumo, mas havia a meta de proteger a dignidade das gerações seguintes. 


Lembro-me dessa história quando leio artigos e teorias sobre a ascensão da nova classe C, uma classe média surgida de um momento de renda mais bem distribuída, que mercados e indústrias tentam compreender e com quem uma suposta “velha classe média” se vê hoje disputando os espaços que antes lhe “pertenciam”, como aeroportos, cinemas, shoppings e até tramas das novelas da Globo, segundo alguns.


Esse “desconforto” revela que o Brasil foi pensado e gerido para poucos. O aporte de gente ao cenário do consumo congestiona ruas, metrôs, shoppings e aviões? Culpem-se os que perderam anos sem projetar um Brasil com mais distribuição de renda, maior oferta de crédito e mais gente com sonhos de classe média, como carros, viagens e casa própria.


Preocupa, porém, que o esforço em ampliar a base de consumidores não seja acompanhado por melhor oferta no ensino básico e no médio, que são disfarçados por faculdades baratas. Assim, a balança pende para a criação de uma classe subinstruída e subpreparada para o emprego, o voto e até para o consumo. Uma classe que se define pelo que pode comprar e, por isso, compromete o futuro com dívidas.


Em tempo: a caneca ainda existe. Diariamente, ela guarda sorrisos (e dentaduras) do viúvo Zé.

12.4.12

UM CRISTIANISMO PELA IMPOSIÇÃO?

O presidente da Frente Parlamentar Evangélica, deputado João Campos (PSDB-GO), disse que proporá emenda constitucional para incluir as palavras “desde a concepção” no artigo que define o direito à vida como inviolável.

É outra cartada do bloco religioso do Congresso a fim de bloquear brechas para o aborto, logo após decisão do Supremo que legaliza a prática para bebês anencéfalos.

A frente tem legitimidade política. Representa os interesses dos evangélicos, que são 20,2% dos brasileiros. Como explicou o editor do Destak DF, Raphael Bruno, em seu artigo de ontem, há espaço na democracia para a religiosidade nos debates sobre leis e julgamentos – tanto quanto há para qualquer outra opinião.

Mas não vejo cristianismo quando deputados tentam impor leis divinas a gente de outros ou nenhum credo, em batalhas que seu Deus diz que não lhes pertencem em seu livro sagrado.

Na Bíblia, o Deus judaico-cristão deixa bem claro que apenas Ele atua nas lutas em que sua vontade deve prevalecer. Como na batalha descrita no 2º Livro das Crônicas, capítulo 20, em que o espírito do Senhor avisa aos israelitas: “Assim diz Javé: Não tenhais medo e não vos acovardeis por causa desta grande multidão. Esta guerra não é vossa, mas de Deus.” Quando os fiéis chegam ao campo de batalha, veem seus inimigos já caídos no chão.

Se este Testamento for muito Velho, o próprio messias dispensou combates em prol de sua lei. “Respondeu Jesus: ‘O meu reino não é deste mundo; se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos, para que eu não fosse entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui’.” (Evangelho de João 18:36)

A mensagem do cristianismo é de incrível beleza e elegância – quando não infectada por aspirações humanas. Religiosos ou não, deputados e senadores querem ser reeleitos, e para isso seduzem cristãos. Numa só tacada, lembram tanto os vendilhões do Templo quanto a reprimenda lançada a Pedro, quando cortou a orelha do soldado que ia prender Jesus.

Logo, fica-me claro que ares de “cruzada” em discussões legislativas são dispensáveis quando se crê em Justiça Divina ou Reino dos Céus. Pense bem, cristão, antes de lutar. Ou votar.