13.12.12

História de amor por um defeito meu




Meus amigos dizem que tenho uma memória invejável. Não os contrario o quanto acho que poderia, mas a verdade é que invejo o poder de retenção  e recuperação de outras pessoas, que acabam mais articuladas em debates. A minha memória é um fracasso quando a comparo com a de ídolos que cultuo nas artes e na literatura.

Brinco com meus amigos que minha memória se trata de pura sorte, já que, nos anos de juventude, não consumi as drogas ilícitas que eles esperavam que eu usasse. Depois digo que é brincadeira, para que não se sintam mal, e me apresso em esquecer qualquer coisa logo, para fazer sala, para não incomodar.

Cada qualidade traz seu defeito correspondente. Lembrar em tons precisos torna difícil esquecer, e assim rancor e mágoa podem se tornar parasitas. O rancor acontece imprevisível. A facilidade em guardá-lo é que é o defeito.

Jovens adultos tendem a se apaixonar por seus defeitos – é um rito de passagem. Creem que lhes conferem personalidade, ao invés de virtude e perfeição – que, além de esterilizantes quando alcançadas, são no máximo buscas por traços que não temos. Mais fácil é celebrar falhas e maus atributos, tudo o que já carregamos de nosso e que lavra a certidão do necessário infanticídio de nós mesmos.

Assim, meu rancor e eu nos perdemos em paixão um pelo outro. Na minha Guantánamo mental, nós dois impiedosamente julgávamos o caráter daqueles que nos fizeram mal; conhecíamos os fatos sem esquecer um único detalhe, de forma que ninguém saiu impune de não ter se desculpado. Alguns por meses, outros por anos, um e outro por mais de década.

Até que um dia me bateu a suspeita de que esses sentimentos são nocivos e que eu, que tenho histórico de tumores na família, não deveria dar mole para o azar. Que faria bem esvaziar algumas das celas, ainda mais aquelas de pessoas que não têm a menor chance de reaparecer. Dar caminho a velhos rancores seria até sábio, até pela minha facilidade em gravar novos. E que melhor ainda seria garimpar outra má qualidade em mim, talvez mais madura.

Afinal, é aconselhável ter algum defeito íntimo, pronunciável, para o caso de perguntarem. Ninguém quer ser pego de surpresa e passar numa tola hesitação a falsa impressão de ser perfeito.

Um comentário:

Anônimo disse...


Que lindo...gente perfeita não existe. E quem acha q é perfeito é mto chato.
Perdoar é uma das lições mais difíceis, ainda estou em processo de limpeza anterior.


Bjs


@DMariazinha)