Márvio dos Anjos? Editor e colunista das sextas do jornal Destak, colunista Infiltrado do blog Maria Filó (www.mariafilo.com.br/blog), vocalista do CABARET (www.myspace.com/radiocabaret), poeta.
5.7.12
O livro centenário e a casa funerária
Uma das maiores sortes que dei na vida foi a de um parentesco longínquo com um poeta. Creio que, se não fosse a curiosidade por uma “herança de família”, talvez eu fosse como tantos, que não veem na poesia algo com que se deva perder tempo.
O poeta é o paraibano Augusto dos Anjos (1884-1914), autor de um único livro, “Eu”, que completa hoje 100 anos e um mês. No contrato de publicação de 6 de junho de 1912 entre ele e seu irmão Odilon (ambos irmãos do meu bisavô Alfredo), via a luz um dos maiores monumentos do verso nacional.
Lembrei-me disso não apenas pela data, mas também porque, sempre que vou ao Recife, arde-me a vontade de passar pela ponte Buarque de Macedo, no trajeto de filme de suspense com que Augusto – admirador confesso da obra de Edgar Allan Poe – abre o enorme poema batizado de “As Cismas do Destino”.
“Recife. Ponte Buarque de Macedo.
Eu, indo em direção à casa do Agra
Assombrado com a minha sombra magra,
Pensava no Destino, e tinha medo.”
É difícil encontrar a ponte – a sinalização do nome é discreta, e ela, que liga o Palácio do Campo das Princesas ao bairro da Boa Vista, costuma passar batida por muitos recifenses.
Em 2007, eu fiz esse mesmo trajeto, de atravessar a ponte “indo em direção à Casa do Agra”, que vinha a ser uma sombria funerária de nome sombrio. Rua da Conceição número 3, lia-se nas páginas amarelas. Lá chegando, vi um funcionário antigo num espaço que só poderia ser descrito como uma “garagem de caixões”: um galpão aberto, exibindo esquifes sem o costumeiro pudor que as funerárias adotam. “É aqui a funerária de Augusto dos Anjos?” Ele me respondeu: “É sim, senhor.”
De passagem por Recife no último sábado, refiz o trajeto, e a casa Agra, de seu portão levadiço de ferro sempre aberto, não exibia esquifes. Havia um carro estacionado no galpão, e nenhum funcionário mais. Disseram-me na funerária ao lado, a Baptista, que, por uns contratempos comerciais, a Agra já não era concorrente havia 4 anos. Virou mero depósito.
Menos um lugar para celebrar um poeta, mais um motivo para ler seus versos, antes que outro lugar perca o seu sentido original – essa cisma que o destino impõe a quase tudo.
Para ler "As Cismas do Destino", clique aqui.
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Bom comentário
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