É uma das melhores histórias da família. Nos anos 40, um erro no financeiro da General Electric do Rio deu a Maria um salário maior que o das colegas, o que causou revolta e injuustiça: ela foi acusada de má-fé. Foi defendida por outro colega, José, a quem Maria, por gratidão, presenteou com uma caneca de alumínio. Já notara que José tomava o leite dado pela firma numa lata lavada de Leite Moça.
Maria e José, meus avós maternos, foram pobres e vinham de famílias numerosas que sonhavam com mais conforto e dignidade. O dinheiro que raramente sobrava era investido em educação (deles e da prole) e em bens duráveis.
Tiveram menos filhos que seus pais: quatro, embora uma, Ana, tenha morrido prematuramente. Os demais estudaram em escolas públicas – à época bem melhores que as particulares – e chegaram ao ensino superior.
Na economia instável, realizavam-se menos sonhos de consumo, mas havia a meta de proteger a dignidade das gerações seguintes.
Lembro-me dessa história quando leio artigos e teorias sobre a ascensão da nova classe C, uma classe média surgida de um momento de renda mais bem distribuída, que mercados e indústrias tentam compreender e com quem uma suposta “velha classe média” se vê hoje disputando os espaços que antes lhe “pertenciam”, como aeroportos, cinemas, shoppings e até tramas das novelas da Globo, segundo alguns.
Esse “desconforto” revela que o Brasil foi pensado e gerido para poucos. O aporte de gente ao cenário do consumo congestiona ruas, metrôs, shoppings e aviões? Culpem-se os que perderam anos sem projetar um Brasil com mais distribuição de renda, maior oferta de crédito e mais gente com sonhos de classe média, como carros, viagens e casa própria.
Preocupa, porém, que o esforço em ampliar a base de consumidores não seja acompanhado por melhor oferta no ensino básico e no médio, que são disfarçados por faculdades baratas. Assim, a balança pende para a criação de uma classe subinstruída e subpreparada para o emprego, o voto e até para o consumo. Uma classe que se define pelo que pode comprar e, por isso, compromete o futuro com dívidas.
Em tempo: a caneca ainda existe. Diariamente, ela guarda sorrisos (e dentaduras) do viúvo Zé.
4 comentários:
Lindo, sério. Termina o texto lindamente.
Lindo, sério. Termina o texto lindamente.
Perfeito. Percebemos a falta da educação no português. Pessoas que estão na faculdade que sequer sabem o plural. E os valores totalmente distorcidos...
Acredito que é muito bom poder contar essa história exemplar. Espero que o seu avô tome conhecimento, do lindo texto. Que tem como início, uma parte muito romântica da sua vida. Então certamente ele vai ficar muito orgulhoso de ser seu avô. Parabéns aos dois!!!
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