Um pacto entre o acaso e o destino
Nesta última semana, o assunto que mais me chamou a atenção foi a morte de um papa. Shenouda 3º era o líder da Igreja Ortodoxa Copta desde 1971; morreu no sábado, aos 88 anos. “Copta” é a palavra grega para “egípcio”, nacionalidade de mais da metade dos seguidores do pontífice, estimados entre 10 milhões e 20 milhões em todo o globo.
Mais impressionante ainda me foi como eles decidem quem o sucederá. Diferentemente do conclave católico – brilhantemente retratado pelo italiano Nanni Moretti no filme em cartaz “Habemus Papam” –, que dura poucos dias e aponta um vencedor após debates e votações dos cardeais, a eleição copta pode se alongarr meses. Os líderes da religião apontam três bispos, cujos nomes são escritos em papéis que serão reunidos numa urna.
O toque mágico da decisão é um sorteio executado por um menino que, de olhos vendados e “a mão guiada por Deus” (segundo a crença ortodoxa copta), escolhe o papel com o nome do vencedor. Assim Shenouda 3º foi alçado a um pontificado de 40 anos e 4 meses.
Acaso ou destino, é belíssimo que, mesmo após toda a política que indica a lista tríplice, a Igreja Copta aceite que os anseios e ambições de bispos racionais devam dar espaço ao imprevisível. Suponho que, neste sorteio sem manipulações, a “escolha de Deus” se legitime para eles, depois que os homens tenham feito as suas.
Só que os coptas têm todos os motivos para não confiar demais na sorte. Desde que a Primavera Árabe irrompeu em 2011, integrar a minoria cristã de um país muçulmano tornou-se ainda mais difícil. A ascensão de um partido islâmico no Parlamento egípicio piora ainda mais as coisas.
Ser um papa copta, como Shenouda foi, é agir diplomaticamente, guiando a religião mas sobretudo protegendo a faixa marginalizada do povo. Atentados e assassinatos de cristãos egípcios são denunciados mês a mês pelas agências de notícias que cobrem o país.
Mas a tradição manda, e Shenouda 3º será substituído em sorteio. Assim os coptas ensinam que, por piores que sejam os tempos, a ilusão de tentar controlar tudo é um mal ainda maior que deve ser evitado. Haverá otimismo quando a inocência da criança mediar o ‘pacto’ entre o planejado e o aleatório – isso que todos somos, dia a dia, quase sem notar.
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