A CRACOLÂNDIA QUE ENFIM INTERESSA
Antigamente, uma Cracolândia não interessava no jogo político. Como se tratava só de um reduto de pessoas que dificilmente portam títulos de eleitor – e condições de usá-los –, tudo se restringia a incursões pontuais de autoridades, ora de Saúde, ora de Segurança. A população que podia evitava seus domínios; a que mora ou trabalha nos seus arredores, convive com o medo, a miséria e a violência. Se viesse uma denúncia da oposição (qualquer que fosse a que estivesse no turno), ninguém se comovia. Era terra de ninguém, inexistente no mapa da maioria dos paulistanos.
Mas recentemente as capitais da sexta economia mundial descobriram que seus centros degradados poderiam ser úteis para atrair parceiros ideais: empreiteiras e imobiliárias capazes de contribuir de forma decisiva para as campanhas, que andavam meio chateadas com a estagnação das áreas nobres para a construção e notaram a mina de terrenos bem localizados, que deveriam pertencer a alguém. No Rio, o Porto Maravilha (não uma cracolândia deflagrada, mas tão degradada quanto); em São Paulo, a Nova Luz; todos projetos concedidos à administração da iniciativa privada, que pode explorá-la e transformá-la sem muitos debates e sem que o urbanismo seja a meta principal no processo de revitalização.
Os governos ajudam os consórcios como podem. A prefeitura de São Paulo já toca o processo de demolição de imóveis desinteressantes nos arredores da Nova Luz e, em parceria com o Estado, espana o miserê que não vota. Constitucionalmente, não se pode obrigar viciados a se tratarem, mas é possível debandá-los – suficiente para a cosmética do jogo eleitoral.
Por sua vez, a oposição churrasqueira faz questão de esquecer que já esteve na prefeitura com Marta Suplicy (PT), num mandato que nem de perto estancou a degradação no local. Como agora, não se estabeleceu nenhum programa de longa duração – algo fundamental no combate a um vício devastador com toques de epidemia, como o crack – quando prefeita e presidente eram igualmente petistas.
Agora toda a cidade se dedica a debater o tema, mas com prazo certo até as próximas eleições. Avanços? Sem dúvida. A Cracolândia finalmente interessa; os humanos, ainda não.
Um comentário:
A verdade é dura, muitas vezes ela dura, mas quem usar uma mente dura, certamente vai tirar proveito dessa gente que vive na dureza do vício da pedra que também é dura mas, que não dura...
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