CRÔNICA DE UM DISTANTE NATAL
(Publicada no 24.dez.2010, no Destak Rio, SP e DF)
O ano de 2001 havia sido particularmente ruim, e aquele Natal apenas confirmava isso. Perdas na família, no coração e no emprego pareciam incontornáveis. Mecanicamente, comi a ceia da minha tia-avó e fui levar a melancolia para passear. Beijei os parentes, saí sozinho pelo edifício e tomei a rua, tentando decidir se iria encarar alguma festa – amigos me chamavam para lá e para cá.
O que lembro, dobrando a esquina da Gomes Carneiro com a Visconde de Pirajá, em Ipanema, é de ver seis mendigos, amontoados na calçada, comendo restos de ceias. Eram cinco homens e uma mulher – hoje chamaríamos de sem-teto, mas ali eram só mendigos animados.
De repente, a mulher achou entre seus embrulhos uma velha câmera fotográfica, que parecia ser daquelas compridas, descartáveis. Empolgada, ordenou a todos que posassem diante da máquina. Que provavelmente não tinha filme. Nem pilha. E, mesmo que tivesse tudo, nada me garantiria que tal foto seria revelada – ou que tal situação mereceria ser revisitada.
Parei diante daquela cena, sem palavras. Notando que eu prestava atenção neles, um dos sem-teto acenou para mim no meio da pose e gritou um “Feliz Natal”. Respondi no susto, confesso. Com um tímido e nada convicente “Pra você também”.
Não sei onde fui parar depois, ou se fui para casa dormir. Não me lembro de mais nada.
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Sempre resisti à tentação de escrever sobre esse episódio. Eu o respeito muito; nunca achei que ele me pertencesse tanto a ponto de poder interpretá-lo em definitivo. Toda vez que o Natal chega, penso novamente sobre o que vi, ouvi e disse, e às vezes conto aos amigos, sem concluir muito. Gosto de deixar o ouvinte à vontade para interpretar esse meu auto pessoal como quiser, sob maior ou menor efeito dos simbolismos desses dezembros profundos.
Ouço cada conclusão que me apresentam e gosto de muitas, mas são sempre reduções; nenhuma imprime em papel o encantamento que me arrebatou. Hoje, sem medo, posso finalmente desistir de querer explicar o que vi, porque sei que falharei sempre. Nunca estarei preparado.
Ali, não fui mais que uma câmera.
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4 comentários:
Poucas situações na vida são tão arrebatadoras. É sempre impossível defini-las, só nos resta carregá-las em nossas memórias, em cantos especiais. Beijo!
Adorei a história.
Esses pequenos momentos que fazem os nossos dias mais felizes!
Chorei. Sem palavras, só sentindo.
DMariazinha
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