1.9.11

 A ARTE DE DESTRUIR CASTELOS DE AREIA

[nesta sexta, no Destak]

Era um dos desafios que me impunha quando era só um garoto de sete anos que passava férias de verão na casa de praia do meu avô, em Cabo Frio: construía um castelo de areia ali, mais ou menos perto do mar, e torcia para que, no dia seguinte, eu o encontrasse ali de pé, mais ou menos no mesmo estado.

Ficávamos nessa época muitas horas na praia – nos anos 80, a camada de ozônio não era um tema, nem o câncer de pele um pânico. Então o castelo era construído quase quando o sol se punha. Voltávamos ainda pela manhã e, para minha diária decepção, o castelo nunca ficava para o dia seguinte. Na minha cabeça de criança, era alguém que vinha entre a noite e a manhã e dilapidava meu palacete.

Acreditando que um dia eu teria sorte e essa pessoa pouparia o edifício, passei a construir castelos maiores e mais fortes, com bases realmente largas; às vezes não era nem castelo, mas apenas uma montanha teimosa e grosseira diante do oceano. Usava as pernas e os pés para mover a maior quantidade de areia possível, até que certa vez, com algumas horas de obstinação, consegui uma montanha que era do meu tamanho.

“Agora vai”, pensei. No dia seguinte, cataploft.

Irritado, desabafei com algum adulto – meu avô, meu tio, meu pai? Não me recordo – que me explicou por alto o movimento das marés. Enfim, o mar sempre levaria o castelo embora. Aquilo não era negociável. Aquela nova verdade provocou minha revolta de menos de um metro e quarenta, e eu decretei que nunca mais faria nada na areia.

Não sustentei a decisão por muito tempo. Eram tantas horas na praia que, em algum momento, a coisa mais legal que se podia fazer com primos e amigos era erguer um castelo. Sempre tentávamos algo diferente – um novo ornamento, mais ou menos torres, e até cavernas que pudessem abrigar nossos bonecos e deixar as aventuras deles mais arriscadas.

Descobri assim outra felicidade. Quando a família se retirava da praia, a última brincadeira era correr para a água e atravessar o castelo antes que o mar o levasse, demolindo-o como um gigante, numa sensação de onipotência que só décadas depois fui entender por completo. Muitos desejos são lindos de serem realizados; outros, porém, só servem para nos libertar – justamente quando desistimos deles.

6 comentários:

alevannucci disse...

bellissimo. gigante bambino! è comunque sempre meglio fare e pentirsi, che non fare, e pentirsi

Anônimo disse...

Que bom, uma reflexão posta de forma tão poética mas, nem por isso menos clara e verdadeira. Saiba, necessitamos dos jornalistas, escritores, poetas e pensadores. Para dizerem o que sentimos mas, não conseguimos nem verbalizar da maneira mais tosca. Chego a conclusão da enorme importância de gente como você. Siga sempre olhando focado nos seus dons, eles são de utilidade pública. Parabéns!!!!!!!!!!

Silvia Bianchi disse...

Li e reli várias vezes, me trouxe lembranças... saudades... relfexões...
Amei!

Felipe Pinheiro disse...

Demais! Grato!

Gisa Gonsioroski disse...

que lindo... emocionante!

Anônimo disse...



"Muitos desejos são lindos de serem realizados; outros, porém, só servem para nos libertar – justamente quando desistimos deles." Amei o texto. Essa frase final é tão, mas tão dolorida... E verdadeira. Uma boa reflexão para o começo da semana.

Bjs

@DMariazinha