15.1.10

Minha coluna de hoje no DESTAK.

FICÇÃO SUBTERRÂNEA Nº 2 - O ZAPPING

Detestamos ficar em silêncio, ainda mais com gente próxima, como no metrô. O problema é o que ouvir




Entro no metrô. Lotado. O ar-condicionado não funciona bem, e as pessoas começam a falar mais alto. Talvez as altas temperaturas realmente sejam as responsáveis por nosso comportamento mais ruidoso. Alguém deve ter teorizado sobre isso. Não sei quem.

Assim, é possível participar de conversas, mesmo para quem não tenha interlocutores. Viro o rosto para a direita. Uma senhora se abana, sentada nos assentos para idosos. Comenta sobre o calor. "Isso aqui tá um forno, meu Deus, nunca vi isso, Jesus Cristo." É um hit a conversa sobre o clima, ainda mais no verão. Acho que é talvez o principal traço da espontaneidade latina. Detestamos ficar em silêncio, queremos proximidade, queremos concordar sinfonicamente uns com os outros, principalmente com os que não conhecemos. E aí, desanda-se a falar daquilo que merece um desabafo. É uma conversa cansativa, então zapeio.

Meus ouvidos agora apontam dois rapazes em camisas ensopadas de suor. Tentaram conversar sobre futebol, mas as contratações de verão, pelo que pude perceber, não os animaram. Até que um resolve se arriscar num terreno que não parece dominar.

"E aquela parada que deu no Haiti, hein? Sinistro, tudo acabou lá naquele lado." Seu colega, que se pendurava na barra do teto do vagão, olhando para o chão, solta um palavrão de desabafo. Mas, como se sente impelido a falar alguma coisa sobre o sofrimento de milhares...

"É fogo. Deus não alivia a África mesmo..." Desisto de acompanhar a conversa até que os rapazes situem melhor o Haiti dentro de suas prioridades e geografias. A composição, que estava parada, fecha as portas no exato momento em que uma moça belíssima aterrissava das escadas com pressa - e aqui eu concedo, leitor e leitora, que vocês descrevam mentalmente como seria essa pessoa belíssima. Cansada e frustrada, ela se curva e vira a cabeça, bem na minha frente.

Abro os braços como quem lamenta, não só por ela, mas também pelo nosso vagão, que iria ficar mais agradável - afinal, há mulheres que são como brisas. Ela me sorri, sem jeito, e vira a cabeça. Na camiseta, lê-se, em inglês, a frase "O amor é um milagre", entre grafismos coloridos num fundo branco.

Foi a melhor conversa da viagem. No resto, entre calores, terremotos e empurrões, contribuí com o silêncio e desliguei os ouvidos. Nada mais era comigo.

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