27.9.12

Por que o dono de carro se tornou vilão?




Qual sacrifício você seria capaz de fazer para que a sua cidade tivesse um sistema de transporte de massa eficiente, ordeiro, fácil de percorrer e barato – e, em consequência disso, menos engarrafamentos?

Em diversas metrópoles (como as que recebem o Destak) cresce o discurso cada vez mais hostil ao carro, principalmente o de grande porte. Alguns defendem que ter ou não um carro é uma atitude política, que reflete níveis de urbanidade e educação: menos poluição, menos congestionamento, mais economia, melhor uso do espaço urbano. Com a bicicleta, ainda haveria o plus do exercício físico. O dono de carro seria um cafona, um troglodita, um primitivo.

Quem hiperpolitiza o debate não vê que o fator que domina a questão é a qualidade do serviço. Em São Paulo, a malha é insuficiente, confusa, mal integrada. No Rio, os tipos de ônibus e trens que mais circulam são estruturalmente arcaicos, caixotes barulhentos distantes do silencioso modelo possível. No Recife e em Brasília, o metrô não contempla as cidades – ele exporta as pessoas para a zona metropolitana. E em todas essas, bem como Campinas e o ABC, a mobilidade vai virando um sonho.

Em Berlim ou Viena, cidades paradigmáticas em termos de circulação, o transporte público é antes de tudo a opção mais fácil: o metrô e os trens urbanos são sinalizados de forma que até um turista se torna íntimo de seus mapas de rapidamente – sem sequer dominar o alemão. Nessas cidades, o carro de grande porte nem é percebido: ele é produzido, comprado por quem pode tê-lo e circula sem nenhum contorno de vilania. Não dá a menor vontade de se tornar inimigo de quem o dirige. Nem se podedizer em quem o cara vota só de olhar a marca.

O ir-e-vir precisa ser feito com facilidade, conforto e limpeza. Por isso a maioria abre mão de se sacrificar e compra carros assim que pode. Não é diferente do que se faz com plano de saúde e escola privada: pagar do próprio bolso por alternativas ao serviço de baixa qualidade que o governo dá ou concede.

A única atitude política que muda a questão é o voto, e não essa hiperpolitização vazia, que culpa “os mal-educados dos carros enormes” e cria os inimigos imaginários – moldados à perfeição para que outros possam se sentir mais nobres.