27.5.11

E agora a solidão tornou-se doença

A chamada na capa da Folha de S.Paulo me causou calafrios: "Solidão é doença e vivemos uma epidemia, diz estudo". Sempre entendi que a solidão era uma circunstância, uma consequência ou uma opção. Nunca me passou pela cabeça que fosse um estado patologicamente anormal e demandasse uma "cura".

Pensei nos vários solitários por opção que a partir de agora necessitavam de ajuda médica - haviam feito uma opção tão "suicida" quanto a de quem... fuma, para algumas cabeças mais radicais. Pensei nos inúmeros hipocondríacos que poderiam se juntar a qualquer pessoa para se prevenir. E pensei em como o século 21 anda babaca. Felizmente, quando lida, a matéria negava parcialmente sua chamada.

A causa da matéria é o livro Solidão - a Natureza Humana e a Necessidade de Vínculo Social (no Brasil, ed. Record), que destrincha os estudos sobre o tema feitos ao logo de 20 anos pelo psicólogo americano John Cacioppo, da Universidade de Chicago.

Tenho altas preocupações com esses estudos. Não que não sejam sérios - e este parece sê-lo - ou que as revelações não sejam aproveitáveis.

Mas concluir que a solidão "é um sinal de que algo não vai bem e que precisamos reforçar os vínculos sociais", como disse Colacioppo ao repórter da Folha, é sustentar que o aspecto do bem-estar biológico deve comandar toda e qualquer decisão da sua vida. Se a solidão é um estado que, como mostram os dados, pode levar ao aumento de doenças cardiovasculares, estresse e distúrbios de sono, é melhor então estar mal acompanhado?

A encruzilhada da ciência entre o biológico e o comportamental é um radar extremamente necessário, que desenvolveu alívios químicos a pessoas com depressão, ansiedade, insônia e outros transtornos que antigamente podiam passar despercebidos ou ser encarados como traços imutáveis da personalidade.

No entanto, há de se ter cuidado com esforços de normatizar a existência humana e seu vasto leque de sensações, em busca de um ideal de bem-estar. A solidão, como a tristeza, é das situações a que estamos sujeitos - primeiro, por estarmos vivos; segundo, por nossa cultura individualizante. Mas pode ser uma experiência absurdamente enriquecedora, ou uma opção de vida. Se sempre padeceremos, que ao menos evitem-se as precauções tolas.

20.5.11

EFEITOS DE UMA CANÇÃO DO EXÍLIO

O carioca vai caindo aos poucos na real a respeito de ter virado a capital do mundo na década atual. Antes a preocupação, porém, era macro: o custo bilionário das obras, o superfaturamento, os elefantes brancos. Tudo alarmante, mas ainda distante do cidadão comum, que dormia tranquilo.

A conta, no entanto, começa a chegar em sinais mais perceptíveis. A alta dos imóveis é assombrosa em várias regiões da cidade, e é cada vez mais comum ver gente que morava de aluguel na zona sul se mudando para bairros mais afastados porque os donos dos imóveis pedem o dobro nas renegociações.

Para muitos, uma canção do exílio, uma vez que essa alta dos aluguéis visa principalmente ao maior fluxo de turistas. O proprietário prefere alugar por temporada, modalidade em que ganha mais dinheiro, e há demanda para jogar os preços nas alturas, como pedir R$ 2,7 mil por um quarto e sala de 50 metros quadrados no primeiro andar no Leblon.

Essa mudança na demografia da cidade pode ser bastante interessante nos próximos anos: com uma zona sul ainda mais turística e cara, pode-se ter uma alteração no comportamento de um tipo de habitante que costumava se entricheirar na zona sul e dali não saía, a não ser sob protesto. Ir até a Barra? Um horror. Zona oeste? Terra de Marlboro. Zona norte? Perigoso.

Muitos desses preconceitos podem estar diante de uma diminuição a fórceps, uma vez que o principado do sul será cada vez menos da classe média nativa. Os especialistas não veem nessas altas uma bolha - ao contrário, encara-se a escalada dos preços dos imóveis como uma constante de década, que poucos ganhos conseguirão acompanhar.

Pode ser uma grande chance de ver um Rio mais preocupado com os Rios que não aparecem em cartões-postais. Que vai se ver obrigado a exigir do poder público a mesma quantidade de privilégios a que estava acostumado nos bairros onde se habituou a morar.

Por isso, é necessário um olhar muito interessado da população às metas de transportes, sejam elas vias expressas, sejam reordenamentos de ônibus, sejam extensões do metrô e, sobretudo, uma atenção rigorosa com o desenvolvimento das ações nas UPPs. Todo carioca deve manter esses movimentos no radar, porque a cidade que lhe pertence hoje poderá ser outra.